sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Papa Francisco e os homossexuais, divorciados e adopção e casamento - Carta do meu primo Luís Bernardo



Meu Querido Manuel,

O Papa Francisco está a fazer um papel muito importante para a Igreja.

Deixa-me começar por te dizer o que sabemos aqui pelos recém-chegados, novos e velhos. As religiões passam por uma crise de fiéis, sejam elas quais forem.

Os princípios rígidos que as estabeleceram, falam de outros tempos, de simbologias antigas e de regras de comportamento que nada têm a ver com a realidade ou com Deus, Yavé ou os ensinamentos do Profeta, bem como de Calvino ou as 95 teses de Martinho Lutero.

Se quiseres ser honesto na análise cuidada dos textos bíblicos verás que o que lá se relata, é como que uma narração histórica do percurso do povo judeu e das medidas “administrativas” que se foram tomando para o cumprimento de um desiderato: a Terra Prometida.

Por isso com o aparecimento dos Evangelhos que já se sabe desde há muito não serem escritos pelos próprios Apóstolos, mas 50 ou 60 anos depois das suas mortes, e com contradições ou omissões entre as versões de cada um, vão estas actualizações criando nuns, interesse em aprofundar com recta intenção ou não estes desafios e noutros um cada vez maior afastamento da Fé.

Nas outras religiões e nomeadamente nas mais ortodoxas ou radicais, os princípios estão subvertidos e a prática desprestigia os fundadores.

Por isso, o Papa Francisco tem uma missão extraordinariamente relevante em querer reduzir ao essencial a mensagem de Cristo e os ensinamentos da Igreja para os crentes e quiçá entusiasmar quem de boa-fé queira aderir, valorizarando a conduta humana, na prática do amor verdadeiro, no consolo dos pobres e dos mais desfavorecidos, dos abandonados, dos presos, dos doentes, em suma de todos quantos precisam de solidariedade e atenção. E é crítico e firme e consegue com uma enorme doçura entusiasmar multidões, precisamente àqueles a quem ele visita e se importa.

Naturalmente esta atitude, torna-se incómoda para quem é arrogante, senhor das suas certezas imutáveis quanto à prática da Fé criticando a própria Igreja , hipócrita, comodista, egoísta e ignorante e pior ainda, fazendo o contrário do que apregoa.

Também tu, pelo que me tens dito, entusiasta desde o primeiro dia deste Papa, sentes-te mais perto da Igreja a que pertences por testemunhar o renascer da tolerância, do perdão, da inteligência na interpretação de princípios arcaicos e enraizados, do afastamento do medo, do pecado e tudo isto em detrimento do que mais importa e que são verdadeiramente os princípios humanos pois não vives em Plutão: o exercício do amor ao próximo e uma simplicidade de vida moral baseada na decência de actuação na sociedade civil, do ambiente de paz entre as famílias que é sem sombra de dúvida o pilar da construção de um mundo melhor, a harmonia interior por se saber que se não tem pela frente condenações a fogos perpétuos nem a castração da natureza humana é o que os deve mover. Haveria tanto a dizer-te.

Por outro lado o Papa Francisco neste seu mister de acolhimento, de uma forma lúcida e humana decidiu olhar para várias situações que levam a uma forma de ser e de convivência distinta daquelas que tradicionalmente se foram implantando ao longo dos séculos, em paralelo com as actuais, mas com menos visibilidade ou mais reprimidas.

Estou a falar-te da homossexualidade masculina e feminina, dos casais divorciados pela lei civil, das novas famílias gays ou lésbicas, da adopção por estes, de filhos e finalmente pela sua união pela do vínculo do casamento civil.

Dizias-me que quando nas aulas de religião alguém levantava muito a medo o tema da homossexualidade, havia esta resposta que calava muitos: quem assim é, sob o ponto de vista científico está provado que já nasce gay ou é bissexual ou heterossexual (veio a ciência muitos anos mais tarde a confirmar esta tese) e sob o ponto de vista religioso e da moral, perguntavam os professores com incisão:- então não foi Deus que criou o Homem e a Mulher como nos diz a Bíblia e os Evangelhos e prega a Igreja? Porque será então que deixa que haja uma percentagem de gays e de pessoas com outras orientações sexuais? Como pode ser pecado, se tudo a Ele se deve?

Esta versão de aproximação à resignação e aceitação de uma decisão divina indiscutível, parecia que fazia sentido.

Por isso o Papa Francisco, é prudente e isento quanto ao julgamento definitivo e absoluto sobre a imoralidade cristã dos gays e lésbicas. Pura e simplesmente aceita-os como são e acha que não os deve afastar da frequência da Igreja, assim como em pé de igualdade com os esquimós, ou os pele-vermelhas ou portugueses ou espanhóis, etc..

É um non-issue ou seja a sua exclusão não deve ser tema de discussão. Compete a cada um escolher a pertença ou não a um acervo de princípios que forma um corpo institucional chamado Igreja. Não se força.

Quanto aos casais divorciados, a atitude gritante e injusta da Igreja até agora, é perfeitamente incompreensível.

A alguém que se divorcia, não basta já a dor, o sofrimento, o abandono, a desilusão, o desfazer de planos e sonhos que se idealizaram e ao procurar novo parceiro/a não é uma busca, tantas vezes vã de um recomeço?

Se a frequência dos Sacramentos for procurada e autorizada pela Igreja, é aceitável a tese estulta de que se está a promover o divórcio para se poder depois ir comungar, entre outros exemplos possíveis? E os outros cristãos da comunidade, tantas vezes sepulcros caiados de branco, têm alguma autoridade para se julgarem melhores? 

São argumentos bafientos, odiosos, castradores da beleza já de si tão complicada de aceitar e acreditar nos Mistérios.

Finalmente a adopção e o casamento de gays e lésbicas: é um tema do foro civil e de cada pessoa. Explico: há estatísticas de casais felizes e normais versus infelizes ou anormais, pela vezes que dão as mãos na rua, que se beijam na boca, que fazem sexo, que gritam entre eles ou se tratam mal, ou se são estúpidos e incompetentes ou efeminados ou machões, etc???…entramos num campo em que todos sabemos que se têm enormes surpresas quanto à taxa da felicidade dita e apregoada, se soubermos inclusive definir o que ela é!

É assunto do direito civil de cada país, que em sendo democrático, as decisões resultam de maiorias mais ou menos responsáveis, como sabemos, pois nunca há o lado dos que têm razão e dos que não têm. Mas isso é outro tema.

Em conclusão, ninguém obriga ninguém a aceitar ou discordar, a não ser a lei de cada país e para os que querem.

Tens assim a posição que aqui recolhi. Claro que o Sínodo está a ser acompanhado com todo o interesse e o Papa será um pioneiro.

É também importante que as mudanças se façam no momento certo e sem grandes turbulências.

Meu Caríssimo Manuel, tanto mais que te poderia dizer mas dedica-te sobretudo a ser bom para os outros e simples e a seguir este caminho que o Papa Francisco está a traçar, precisando de ti e de todos quantos tenham um coração livre e aberto aos outros.

Teu muito afeiçoado primo

Luís Bernardo

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Carta resposta do meu primo Luís Bernardo - Salazar e o Bugatti do meu Pai



Caríssimo Manuel,

Respondo à tua carta, depois de uma semana agitada pois quis fazer-te a vontade e entrevistar Salazar de passagem, pois ele estava com pressa. Por outro lado fui também estar com os teus Pais que estão a passar o verão na casa de praia que é uma maravilha.

Abaixo te descreverei. 

Quis saber notícias do Vaticano mas deu-me mais trabalho pois quem me pode informar estava de férias e portanto tive que esperar que regressasse para organizar as respostas.

Quanto ao fim do mundo em Setembro, tanto quanto ouvi dizer por aqui os preparativos para o regresso de toda a gente ainda estão uns milhões de anos atrasados. Lá terás que continuar a penar, mas deixa-te de queixas e goza a vida. Aqui há nascer e pôr-do-sol lindos, mas olha que os daí são também uma maravilha. Nada é boring, como dizias. Tens sempre tanto que fazer, se quiseres, mas não é hábito, como aí, de nada se fazer. 

Um dia te conto com mais detalhe.

Dou-te, no entanto, um pequeno exemplo: existe uma biblioteca sem possibilidade de te descrever a dimensão, que alberga a informação sobre cada um, a vida que levaram aí na terra, com todos os factos e conhecimento de tudo quanto fizeram e foi conhecido e o que não disseram. 

Não se trata de um ficheiro, como o do Pina Manique no tempo do maldito Pombal. A propósito, já encontrei o marquês por aqui e não lhe falei e um grupo de nossos parentes ainda quiseram um desforço, mas tudo se compôs.

Ora, qualquer pessoa pode consultar, nessa biblioteca, livros e ter acesso a todo o conhecimento em todas as suas versões linguísticas, pois está acessível directamente à compreensão que cada um possui. Tens tudo desde todos os tempos e acessível a ser visionado sob todas as formas para satisfação e enriquecimento de todos. Explico, com um novo exemplo: tem havido muitas perguntas e até discussões em seminários e colóquios sobre as bombas atómicas de Hiroxima e Nagasáqui a propósito do acordo recente entre o EUA- Irão.

Muita gente e em simultâneo teve acesso a todas as fases do seu lançamento e inclusive o momento em que se produziu e as consequências posteriores. Não se julga, mas fica-se totalmente informado. O mesmo se passa quanto a outros tópicos e pessoas e circunstâncias. Poderás consultar um dia a tua vida na terra e tudo quanto fez parte dela e não só. 

Já estamos a entrar em detalhes de que te falarei noutra carta.

Voltemos então à casa de praia dos teus Pais. Tem uns 12 quartos, todos com varanda e com imensa luz. É um projecto ousado e moderno do Le Corbusier, que a tua Mãe convenceu a fazer. Muitos vidros por causa da vista deslumbrante sobre o Universo e mesmo ao pé, sobre o mar. Os teus Pais tendo sido ambos exímios nadadores no Estoril e em Cascais, adoram tomar banhos prolongados e fazerem natação durante muito tempo. Têm o grupo de amigos de sempre e fazem imensos concursos. Jogam na praia voleibol, futebol e junto à casa têm uns courts de ténis aonde vem o Torok jogar com eles e dar-lhes umas aulas de aperfeiçoamento.

Salas espaçosas, em tons brancos e claros, com enormes sofás e decoração minimalista mas muito confortável.

Um terraço enorme com uma mesa para 20 pessoas que é muito usada para almoços. Desse terraço vai-se para uma piscina de 50mx20m e à volta tem um bar e um barbecue bem como espreguiçadeiras e toldos e chapéus-de-sol. Têm sempre pessoal que se ocupa de tudo, preparando e servindo as bebidas e fazendo deliciosos almoços requintados e apropriados.

Dentro têm ainda uma casa de jantar para 40 pessoas aonde à noite dão uns opíparos repastos sempre sem serem muito formais, com mariscos, caviar, saladas exóticas, um prato quente de carne e frutas portuguesas e brasileiras e gelados italianos. O Santini é um frequente visitante bem como S.M. o Rei Umberto que os teus Pais e Avós conheciam.

Os quartos têm camas grandes e fundas com roupa de linho puro, fresca e com almofadões de penas para aonde apetece lançar-se e enterrar-se. 

O teu Pai deu-lhe para ter carros descapotáveis e tem uma bela colecção, entre eles um Bugatti lindo com que se passeia com a tua Mãe, claro. 

No terraço e ao fim-da-tarde é vulgar haver o Beni Goodman e a sua orquestra a tocar jazz e os criados a servirem bebidas. Há cá a moda agora de gins exóticos, imagina.

Muito agradável e toda a gente sempre sorridente e bem-disposta. Mandam-te beijos e abraços grandes e disseram-me que têm conversado contigo frequentemente por carta.

Fui então visitar Salazar que estava hospedado num hotel junto à costa a passar uns dias. Partia no dia seguinte de volta a casa, por isso deu-me apenas uns minutos para me dizer com uma franca gargalhada: - eu faço lá ideia como resolveria os problemas! Eu não sou desse tempo nem as minhas ideias se aplicavam, excepto no amor que sempre tive a Portugal! E pediu-me que o deixassem sossegado pois muita gente ainda pensa que ele seria o salvador, quando tudo muda e tudo passa. De muito bom senso.

E mais não disse, e acho que fez bem pois seria imprudente pôr-se daqui a perorar conselhos. Ia dar asneira de certeza.

Tenho que sair com pressa e por isso deixo os outros assuntos para uma próxima carta.

Teu muito afeiçoado primo que muito te quer.

Luís Bernardo


terça-feira, 25 de agosto de 2015

Miserere Mei

Vai um tipo por um caminho fora, de férias, na aldeia, a olhar para a natureza, as árvores, as plantas, os frutos, um ou outro galináceo que atravessa sem medo o carreiro, um pombo ou um rouxinol que exibe o seu trinado num galho de uma árvore com uma copa acolhedora e topa, de surpresa, com um riacho de água límpida aonde apetece sentar-se nas margens.

E o barulho da cidade, e da gente e do desassossego da vida parece que se vão.

Apetece pensar em coisas boas, em pessoas que se amam, em tudo quanto afaste a intranquilidade. Até parece que o coração descansa de uma vida agitada e pede uma pausa no seu bater.

Claro que a modernidade dos tempos exige um contacto permanente e o telemóvel ligado, trouxe de súbito no écran, a aparição de uma mensagem. Parecia apetecível no seu conteúdo e desafiante para uma conversa calma e sem consequências.

O tempo é um barómetro da sensibilidade e temperamento dos homens e umas nuvens mais cinzentas no céu, toldam a harmonia de um dia que se anunciava promissor.

Foi-se o encanto, a magia do momento, e começou uma conversa taco-a-taco de tal forma desgastante que a caminhada continuou sem eito e só parou junto de um Convento, que tinha as portas da igreja abertas.

Dentro uma frescura e um silêncio que se impôs para por fim à chamada telefónica.

As monjas entraram para o coro e começaram a entoar o Miserere Mei, Deus.

Aplacou-se a ira e o transtorno emocional desvaneceu-se.

sábado, 22 de agosto de 2015

O Peninha fez mais uma das suas.


O Peninha fez mais uma das suas. Resolveu, para refrescar, ir a Sintra comer umas queijadas no parque das merendas. Qual não foi o espanto e grande, ao topar escondido, atrás de um pinheiro milenar, um velho leão que lhe fez shiuuu...com a pata.

- Não sabem que estou aqui. Dá-me uma queijada? A águia do Benfica tem uma conference call por skype comigo.

Fiquei intrigado e voando sobre as árvores frondosas fui dar com o Rei Dom Carlos que veraneava no Palácio da Vila, a passear de mão dada com a costureirinha da Pena.

Não pareceu ter ficado nada assustado e disse-me: - olha Peninha, diz à Rainha que é por causa de um vestido que lhe quero dar de presente.

Senti sede e fui molhar o bico à Fonte dos Desejos e ao aproximar-me estava a Samaritana acalorada e despida impròpriamente. Jesus devia estar a chegar e aí fez-se-me luz: o leão, a conference call por skype com a águia do Benfica e Jesus a chegar!

Estava tudo claro para mim. Voltei e fiz uma denúncia ao juiz Carlos Alexandre.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

CARTA ao MEU PRIMO LUÍS BERNARDO - Agosto de 2015


Imaginem vocês que recebi uma carta de um primo que já morreu há vários anos e que me chegou à caixa do correio.
Creio ser o primeiro ser humano a ter verdadeiramente notícias reais, de além-túmulo. Finalmente aparece alguém a explicar como tudo se passa. Aliás, nunca percebi porquê tantos mistérios!
Desde há três anos tenho mantido uma correspondência frequente com ele, que poderão ler no meu blogue “Vicente Mais ou Menos de Souza”. Esta foi a última carta que lhe escrevi hoje, perguntando uma série de coisas que nos perturbam, suscitam curiosidade e até inquietação. Costuma ser rápido. Aqui a têm.

Agosto de 2015

Querido Luís Bernardo,

Hoje esteve um dia lindo, daqueles de sol luminoso e um céu azul sem uma única nuvem no firmamento.
Diz-me desde já se continuas a ter este espectáculo admirável e quando para aí formos, os luares de Agosto, os pôr-do-sol continuarão a ser momentos únicos, ou como é?

Agora outros assuntos, pois há muito que não te escrevo.

Tens estado com os meus Pais? Tenho tantas saudades deles e aliás de todos. Manda-lhes um grande beijo.

Este Papa tem sido danado e dá cada abanão na Igreja! Vai haver um Sínodo lá para Novembro, mas claro que deves saber, e muitos temas tabus serão discutidos. Dá-me pistas sobre o que vai acontecer, qual a visão daí e a tua opinião.

Aqui no burgo, tudo a partir ao mais pequeno sinal de uma nova oportunidade profissional e o nosso país, que é uma beleza, a ficar sem quadros jovens e de uma nova geração a tomar as rédeas do país.

Ouve lá e esta treta do fim-do-mundo em Setembro com o choque do asteróide contra a Terra? É que se vou mais cedo para perto de ti, tenho umas quantas preparações a fazer: revisão da minha vida, escolher o que vai ser ou não útil levar…porque me cheira que pode ser boring…diz lá tu da tua justiça e dá-me umas dicas…deixa-te de segredinhos, vá.

Finalmente aqui vai-se ouvindo um pouco por todos os lados um sôfrego apelo à memória de Salazar. Se estiveres com ele outra vez, pergunta-lhe o que opina sobre como ele faria para sairmos deste enorme sarilho em que estamos metidos…

Bem vistas as coisas, se em Setembro formos para o galheiro, desculpa o palavreado, pouco importa já.

Hoje fartei-me de tomar banhos aqui pela zona da capital e arredores e digo-te que esta mania de tantas pessoas se endividarem para irem para o Algarve e frequentarem as festas badaladas sem terem um tuste, é para além de ridículo, uma tragédia.

Vou dormir porque o sol cansa e faz sono.

Vê lá se respondes depressa, pois fico em picos.

Um afectuoso abraço do teu primo que muito te estima

Manuel

sábado, 15 de agosto de 2015

O despudor de Sócrates


Leio na imprensa que Sócrates vai começar a pagar ao seu amigo Santos Silva.

Escuso de lembrar o meu trabalho nas prisões, para vos dizer o que se deve ou não fazer quando se está detido. E, como sabem, os “meus” reclusos são estrangeiros e com penas pesadas por isso estão num estabelecimento de alta segurança do Estado.

Ora Sócrates tem, a meu ver, cometido erros incompreensíveis. Não julgo que seja a conselho dos seus Advogados, pois a sua personalidade é forte, a sua teimosia proverbial e gostando-se ou não dele, temos que lhe reconhecer inteligência.

O primeiro dos deslizes, é a publicidade que tem dado à sua situação como detido. Para além de estar a violar as regras definidas pelo sistema prisional e assim tornando-se uma excepção consentida, revela mais uma vez o seu despudor e a influência que exerce através de vários meios e “amigos” para que ninguém lhe vá ao pelo!

Irrita-me muito este facto, pois também me apetecia dar a conhecer ao público o que pensam os “meus” presos.

Segundo erro é o de se armar em vítima quer politicamente quer na justificação do seu património. Nem vou perder tempo em comentar o que é uma evidência: o estado lamentável em que deixou o país! Quanto à sua “riqueza” é gritante a desproporção entre o que seria legítimo um político, (pois foi isso que sempre fez), acumular um pecúlio razoável…e sabe-se agora que tem “desejos” de grande gastador e um ex-primeiro-Ministro com centenas de milhões de euros que lhes são atribuídos a si próprio ou encapotadamente aos seus familiares. Originário de uma família sem importância nem tradição de nada, mesmo, nem valores nem recursos que se conheçam, mais escandaloso é o topete de apresentar argumentos miseráveis.

Por isso, a notícia de que vai começar a pagar com a venda do seu andar ainda é mais revoltante.
Que seja acusado e já agora com rapidez ( por muito virtuoso e capaz que o Juiz Carlos Alexandre seja bem como diligente o Ministério Público, já ultrapassa das marcas deixar os cidadãos numa eterna dúvida das razões da sua detenção e das especulações) e que possa cabalmente defender-se num julgamento imparcial.

Mas o seu julgamento na praça pública já está sentenciado: para as pessoas de bem, para aquelas que sofrem na pele as consequências da sua cupidez, mal agir e delapidação dos recursos do país, daquelas que são honestos funcionários públicos que não corrompem nem são corrompidos, enfim das que põem os interesses do país acima dos seus, o veredicto só pode ser o de CULPADO.

E quer esteja a sofrer e acredito que esteja pois conheço inclusive a cadeia de Évora, a arrogância de ter recusado a pulseira electrónica e permanecer recluso só demonstra que nem o incómodo e sofrimento da reclusão tem quebrado o seu desejo de protagonismo e infelizmente não tem aprendido.

As visitas de Mário Soares são patéticas e suspeitas e levantam muitas dúvidas quanto a serem inofensivas: é um mensageiro caquéctico e decadente que se presta à defesa da corporação a que ambos pertencem, e de outras pessoas que a todo o custo querem ser preservadas das suas práticas ilegais e lesivas dos interesses do Estado.

A gravidade das “pontas” mal resguardadas que poderão vir a por na cadeia mais uma série de figuras proeminentes, leva a que Mário Soares, arrastando-se, vá paulatinamente destruindo algum capital democrático e de serviços que prestou ao país no passado.

Uma vergonha tudo isto, mas a sociedade civil assiste adormecida e apressa-se a dar o voto ao PS.
Não que este Governo mereça todo o meu apoio, mas o que espero é que com caras novas e pessoas mais competentes possa afrontar com sucesso efectivo os tempos sombrios que se aproximam, quer gostemos ou não de aceitar a realidade.

Por isso Sócrates que passe o resto do Verão em Évora, apesar de ter podido refrescar-se com ar condicionado, já nem sei em qual das casas se a de Paris ou a de cá, pelos vistos já não, mas outra que tenha para aí ou que lhe emprestem.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Em Luanda na foz do Cuanza

Eu queria ter o tempo e o sossego suficientes
Para não pensar em coisa nenhuma,
Para nem me sentir viver,
Para só saber de mim nos olhos dos outros, reflectido.

Alberto Caeiro

Eu e o meu irmão António


Eu e o meu irmão António, com cara de choro por estarmos numa "instituição" chamada parque que dava algum sossego a quem nos tratava mas que causava lágrimas insanas...até nos habituarmos...mais ou menos

Quem sou eu?



Eu às vezes não entendo!
As pessoas têm um jeito
De falar de todo mundo
Que não deve ser direito.

Aí eu fico pensando
Que isso não está bem.
As pessoas são quem são,
Ou são o que elas têm?

Eu queria que comigo
Fosse tudo diferente.
Se alguém pensasse em mim,
Soubesse que eu sou gente.

Falasse do que eu penso,
Lembrasse do que eu falo,
Pensasse no que eu faço
Soubesse por que me calo!

Porque eu não sou o que visto.
Eu sou do jeito que estou!
Não sou também o que eu tenho.
Eu sou mesmo quem eu sou!
 
Pedro Bandeira

Com o meu Avô paterno


Ao colo do meu Avô paterno de quem eu muito gostava e vim a gozar tanto, mais tarde, da sua cultura, graça, inteligência, caturreira e humanidade.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

O DESESPERO DE CADA DIA


Não se importar com nada é muito difícil.

É mesmo de mentiroso. Claro que ninguém é um campeão em tudo, ou então é um tonto ou um inconsciente.

O pobre na rua com fome e frio, o idoso ciente da sua solidão, o pai abandonado pelos filhos, a mulher ou o homem atraiçoado pelo seu parceiro, o amigo traído pelo outro amigo, têm feridas e sentem dores inauditas que se pudéssemos contabilizar em decibéis vindos de dentro da alma, seriam por milhões.

Muitas vezes disfarçam, dão aquela resposta estúpida e óbvia de que vai tudo bem, quando pela voz ou pelo olhar ou pela cara, se topa à distância de que vai tudo mal.

E no entanto isto repete-se a cada segundo, minuto, hora de cada dia, a cada ano, em cada casa, em cada país porque simplesmente não há ninguém totalmente feliz.

Qual o remédio? Encarar a hipótese de que a vida é feita de momentos.

Tudo isto parece teoria e frases feitas, mas só cada um sabe como é a penosidade do seu viver e como é bem verdade que por mais que se conte com os outros, o “relevant other”, só a cada um cabe resolver os seus problemas.

E apetece por vezes poder ter uma varinha mágica que se agite e resolva por nós os nossos problemas, tão menos cansativo seria, pelo menos só uma vez!

Vem isto a propósito de ter estado hoje a ouvir sem interrupções alguém a quem se aplica este perfil.

E apetece desistir pela enormidade avassaladora do sofrimento, impotência e desolação. Fica-se com os braços caídos, sem forças e sem voz e sem ar para respirar fundo.

Foi o que encontrei na pessoa que comigo interagiu, que aliás eu não conhecia e que num jardim, ocupou umas três horas da minha tarde.

Vim derreado e poucos ou nenhuns conselhos lhe dei. Não era só dinheiro que precisava, mas muito mais...de quem lhe desembrulhasse os nós cegos dos seus 35 anos.

domingo, 9 de agosto de 2015

Lembro-me agora que tenho de marcar um encontro contigo



Lembro-me agora que tenho de marcar um
encontro contigo, num sítio em que ambos
nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma
das ocorrências da vida venha
interferir no que temos para nos dizer. Muitas
vezes me lembrei de que esse sítio podia
ser, até, um lugar sem nada de especial,
como um canto de café, em frente de um espelho
que poderia servir de pretexto
para reflectir a alma, a impressão da tarde,
o último estertor do dia antes de nos despedirmos,
quando é preciso encontrar uma fórmula que
disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É
que o amor nem sempre é uma palavra de uso,
aquela que permite a passagem à comunicação
mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale,
de súbito, o sentido da despedida, e que cada um de nós
leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio
ser, como se uma troca de almas fosse possível
neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e
me peças: «Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas
vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde,
isto é, a porta tinha-se fechado até outro
dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então
as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem
sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos
para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que
é também a mais absurda, de um sentimento; e, por
trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia
seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores
do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos
encontrar, que há-de ser um dia azul, de verão, em que
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas,
que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo
das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros. 



Nuno Júdice

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

silly season


Todos desligaram da Grécia, da Síria, do Iraque, da Palestina, de aonde há sofrimento e problemas. É um facto. Há direito a sossego, dirão.

E dos doentes terminais de cancro e de outras doenças mortíferas que gemem ou nem isso, em camas de hospitais ou já em casa prestes a morrer?
Também temos direito a férias, caramba, mesmo até que se tratem de nossos familiares, amigos ou desconhecidos.

E dos que mesmo de férias são e continuam pobres, desempregados, sem esperança de futuro e de soluções rápidas para o desespero diário?
Os Senhores Ministros e a sociedade civil estão na silly season, e nas rentrées políticas logo se verá nos discursos e então este ano na campanha eleitoral vão haver muitas promessas "sérias".


E os que estão sós, nas prisões, na vida, acabados de serem abandonados ou desde há muito em solidão moral, e os maus filhos, e os maus/más companheiros que servem infelicidade às colheres a cada minuto/segundo, se fosse ao dia, seria un pouco mais suportável.


Pois, mas mesmo neste tempo de lazer há quem disfarce, se endivide para fingir que ao ser visto por quem julgam que interessa, resolvem a escuridão do coração e as lágrimas engolidas em seco, a recusa de compaixão e de perdão.


Deixei para o fim os velhos/idosos ou como queiram chamar? Levam em cima com tudo o que acabo de dizer em doses cavalares, por nem sequer se poderem defender?


Convenhamos que a areia e a água do mar devem ter um muito, muito amargo sabor!

stairs to heaven

John BANVILLE, The Sea, Picador 2005
P. 118 - 119
«Yet for all my disconcertation it is the mortal she, and not the divine, who shines for me still, with however tarnished a gleam, amidst the shadows of what is gone. She is in my memory her own avatar. Which is the more real, the woman reclining on the grassy bank of my recollections, or the strew of dust and dried marrow that is all the earth any longer retains of her? No doubt for others elsewhere she persists, a moving figure in the waxworks of memory, but their version will be different from mine, and from each other’s. Thus in the minds of the many does the one ramify and disperse. It does not last, it cannot, it is not immortality. We carry the dead with us only until we die too, and then it is we who are borne for a little while, and then our bearers in their turn drop, and so on into the unimaginable generations.»

Carpe diem

Morreu há dias uma Tia de quem todos gostavam muito, incluindo eu. Passei ontem em frente da casa dela vindo da missa do 7º dia. Morta e cremada em horas. Tornou-se cinzas e desapareceu.

Dirão, ficam as boas memórias. Sim, mas até essas irão desaparecendo com a poeira dos dias.

Como é possível que em Agosto, nestes dias luminosos em que tudo apela a que se descanse do turbilhão dos dias cansativos de um ano intenso, me dê para pensar na morte?

É que ela está a cada canto e a cada momento. Não tem dias de férias e pode surgir inesperadamente.

Gostaria hoje de reflectir sobre o que se possa passar para além da morte. Nunca ninguém, realmente, veio dizer. Não estou a considerar aparições, media e espíritas, inspirados ou “delegadas de Deus” na terra como a Alexandra Solnado entre muitos outros espalhados pelo mundo, diga-se em seu abono, mas se tal se tivesse verificado, não havia dúvidas, não é?

Resta portanto a fé, seja em que religião for ou a descrença por ignorância, já nem me refiro aos que odiando as diversas doutrinas, são por princípio ateus.

Sobre a fé de cada religião, está tudo lá, quero eu dizer, cada uma por si tem cartilhas, versões, explicações, teorias, verdades assumidas.

Concentremo-nos assim, nos descrentes por ignorância, que estarão ansiosos e disponíveis, mesmo na praia e a qualquer hora do dia ou da noite, para saber o que os espera.

Estava ontem a ler um artigo e a ver o respectivo videoclip da NASA sobre Marte: desolação completa, terra seca e árida…mas a milhões de quilómetros de luz de distância da terra. Quem somos nós, de onde viémos, que “aves” raras somos? A escuridão do Universo é aterrorizadora e nada sossegativa!

Será que acabamos em cinza, pó e nada, como tantos outros habitantes de planetas que nos precederam e que têm o seu fim com o decurso do tempo, noção essa, que pode ser variável de civilização em civilização?

Pois olhem foi esta a minha reflexão desta manhã ensoalheirada de verão.

Ficai na paz e não vos perturbeis, diria eu se fosse um profeta.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

ravina japonesa


summer colours


se acordarem em mim a fera

Todos os dias morrem pessoas de várias origens sociais, intelectuais, culturais, de distintas nacionalidades, etc
Aqui no burgo têm mais ou menos fama e reputação, e é frequente que sejam louvadas/os pelas suas qualidades, dotes de inteligência, bondade, altruísmo e óbviamente outras tantas pessoas pelo oposto.

Mas, voltando, às personagens sempre louvaminhadas e com certeza com razão, tenho pensado porque será que não vibro especialmente e até me irrito e acabo por me posicionar em contra-corrente quando se anunciam milagres, virtudes ocultas, histórias exemplares, etc

- Inveja não é, pois é das poucas,,,cof cof qualidades que tenho;

- Não tenho ídolos humanos e sendo um experimentado observador de gente, sei que há muito de empolamento e de fantasia no que se diz;

- depois, irritam-me multidões irracionais, simplistas, emotivas e sem espírito de análise e racionalismo.

- de facto quer na política, quer no futebol quando todos se levantam de rompante ou com os dedinhos em V ou aos gritos eu fico SEMPRE sentado, impávido.

Conclusão: a culpa é minha, sou um frio e desdenhoso e não acredito na raça humana.

Fisicamente, em termos de sensualidade e sexualidade posso ser um vulcão que jorra torrentes de lava, se me tocarem no ponto certo, ou seja se acordarem em mim a fera...

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Deitar para cima por Miguel Esteves Cardoso

Já reparei que há bons amigos meus que desconfiam quando eu elogio uma empresa ou uma marca.
Na cultura portuguesa de desconfiança, dizer mal é prova de independência e dizer bem é prova de patrocínio.
Elogiar é o trabalho mais difícil e necessário que há. No meio de tanta merda - e de vidas tão curtas - dizer bem do que é bom (e se pagou sem favores ou descontos) é um acto de generosidade. Cede e partilha:  aproveitem esta oportunidade que seria melhor quanto menos fossem as pessoas a conhecê-la.
Já me ofereceram pouco dinheiro (10 mil euros) para fazer publicidade (da Sagres e da Netcabo) mas nunca me deixei corromper. Mesmo se fossem 10 milhões de euros jamais prescindiria da única coisa valiosa que tenho, para além do meu talento: a minha independência que, longe de ser um sacrifício, é o meu ganha-pão.
Dizer mal é fácil e, por ser quase sempre justo, junta muitas mãos na posição (e atitude) de suplicante.
Dizer bem é mais perigoso mas arrisca mais para ser útil para os outros.
É verdade que umas poucas empresas (no máximo 4, ao longo da minha longa vida) mandaram-me mercadorias boas depois de terem sido pagas e muito friamente elogiadas por mim.
Malcriadamente aceito e não agradeço. A minha liberdade, honestidade e dignidade são as únicas coisas que tenho para mostrar que mereço que acreditem em mim.
O resto é corrupção, subornos e angariações de influências.
A única pureza que subsiste é a verdade descontrolada das nossas almas.